Estrela em Fuga

Estrela em fuga (©ESO)

22 novembro 2005

Observações realizadas com um dos telescópios do VLT (ESO) levaram à descoberta de uma estrela de grande massa que se está a deslocar pelo halo exterior da Via Láctea em direcção ao espaço intregaláctico. Esta descoberta pode vir a provar que no coração da galáxia satélite da Via Láctea, a Grande Nuvem de Magalhães, existe um buraco negro de grandes dimensões.

A estrela, denominada de HE 0437-5439 foi descoberta pela equipa do projecto Hamburg/ESO que tem como objectivo principal a deteção de quasares, mas que nas suas observações detectou uma grande quantidade de estrelas azuis. Os cientistas do Observatório Astronómico Dr. Remeis (Universidade de Erlangen-Nürnberg, Alemanha) e do Centro de Investigação Astrofísica (Universidade de Hertfordshire, Reino Unido) acreditam que a HE 0437-5439 é uma estrela de grande massa, azul, da sequência principal, e que se encontra na região exterior do halo da Via Láctea, 200.000 anos-luz de distância, na direcção da constelação de Doradus (Peixe-Espada).

Esta descoberta foi uma grande surpresa pois estrelas deste tipo só vivem algumas dezenas ou centenas de milhões de anos, o que é em termos astronómicos é bastante pouco. Tipicamente as estrelas do halo da galáxia não são tão jovens assim, têm idades bem superiores, da ordem das dezenas de milhares de milhões de anos. Estrelas como a HE 0437-5439 encontram-se normalmente em regiões de formação estelar, como é o caso da Nebulosa de Orion, no disco da galáxia. Aliás, as estrelas do Trapézio, que fazem "brilhar" a Nebulosa de Orion são estrelas muito semelhantes à HE 0437-5439.

Os dados obtidos pelo espectrógrafo de alta resolução UVES permitiram à equipa de investigação calcular a idade da estrela e verificar que esta é uma estrela jovem - 30 milhões de anos - com uma composição química semelhante à do Sol mas com uma massa cerca de 8 vezes superior. O que mais surpreendeu os astrónomos foi a velocidade da estrela: 723 quilómetros por segundo (2.6 milhões de quilómetros por hora). A velocidade da HE 0437-5439 é tão elevada que a atracção gravitacional da Via Láctea não é suficiente para a manter na galáxia, e assim ela está a escapar em direcção ao espaço intergaláctico.

Tendo em conta que a estrela se está a deslocar tão rapidamente, ela deve ter nascido numa região diferente da actual. O que é que a pode ter acelerado tanto? Estudos matemáticos realizados no final dos anos 80 mostram que um buraco negro de grande massa (BNGM), isto é, um buraco negro com pelo menos 1 milhão de massas solares, seria capaz de causar uma aceleração com esta proporção. Se uma estrela binária se aproximar de uma BNGM uma das estrelas poderia converger para o BNGM enquanto que estrela companheira seria ejectada para longe. No centro da Via Láctea existe um buraco negro deste tipo que poderia então ter causado a "fuga" da HE 0437-5439.

No entanto, a HE 0437-5439 é demasiado nova. Se tivesse escapado da região central da Via Láctea, e tendo em conta a sua posição presente, teria de ter o tripplo da sua idade! Ou a estrela é mais velha do que parece, ou foi acelerada num outro local. Ao avaliar melhor a sua posição no céu os astrónomos da equipa de investigação notaram que a estrela se encontra a 16º graus da Grande Nuvem de Magalhães. Esta vizinha da Via Láctea encontra-se a 156.000 anos-luz de distância, o que quer dizer que a HE 0437-5439 se encontra mais longe da nossa galáxia do que a própria Grande Nuvem de Magalhães.

A actual posição da HE 0437-5439 e a sua idade, podem ser explicadas se em vez de ela ter tido origem na Via Láctea for na realidade uma estrela da Grande Nuvem de Magalhães, e tiver sido expulsa da região central da nossa galáxia vizinha! Por sua vez esta explicação aponta para a existência de um BNGM no centro da Grande Nuvem de Magalhães.

Uma explicação alternativa pode também existir, mas para isso seria necesário que a estrela HE 0437-5439 fosse o resultado da fusão de duas estrelas. Assim, a HE 0437-5439 seria uma estrela blue straggler, um tipo particular de estrelas azuis que poderão ser muitos mais velhas dos que os actuais modelos de evolução estelar prevêem.

A equipa de investigação que fez este descoberta aposta agora em obter novos dados. Só assim poderão testar estes dois cenários e perceber qual será o mais verdadeiro.

Informações adicionais
http://www.eso.org/outreach/press-rel/pr-2005/pr-27-05_p2.html