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Centro de Astrofísica da Universidade do Porto
10 setembro 2014

Recorrendo a alguns dos espectrógrafos mais precisos do mundo – UVES (telescópios VLT, do ESO), HIRES (telescópios Keck) e HDS (telescópio Subaru) – uma equipa internacional1, da qual faz parte Carlos Martins (IA2/CAUP3), procurou variações de velocidade relativa no espectro de absorção do Quasar4 HS 1549+1919. Essas variações permitem medir a constante de estrutura fina5 (a ou Alfa), uma das constantes fundamentais do Universo, cujo valor caracteriza o comportamento de uma das forças fundamentais do Natureza – a força eletromagnética.

A luz deste Quasar, situado a 11,5 mil milhões de anos-luz, atravessou três galáxias diferentes, respetivamente há 10, 9 e 8 mil milhões de anos atrás. Cada uma delas absorveu parte do espectro do Quasar, deixando nessa absorção pistas de como a força eletromagnética se comportava em cada uma dessas épocas.

Tyler Evans (CAS, U. Swinburne), o primeiro autor deste artigo6, explica que “nós dividimos a luz, de forma muito precisa, nas suas cores constituintes, produzindo um arco-íris com uma espécie de “código de barras” de cores em falta. Este padrão permite-nos medir o comportamento do eletromagnetismo”.

A necessidade de usar os três grandes telescópios surge dos erros nas medições. É que, a existirem variações de Alfa, como alguns estudos anteriores sugeriam, estas serão muito pequenas. Comparando as três medições é possível minimizar os erros de medição.

Carlos Martins (Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço/Centro de Astrofísica, Universidade do Porto), um dos co-autores do artigo, comenta que “para realizar estes testes, é necessário levar os atuais espectrógrafos até ao limite, e melhora-los é fundamental para a cosmologia moderna.”

Depois de corrigidos os erros, os dados dos três telescópios dão a mesma resposta: Se nos últimos 10 mil milhões de anos houve alguma uma variação de Alfa, e por consequência, da força eletromagnética, terá sido uma variação inferior a algumas partes por milhão. Segundo Michael Murphy (CAS, U. Swinburne), outros dos co-autores do estudo “penso que esta terá sido a medição mais precisa do género, até à data”.

Além das possíveis variações de Alfa, este estudo serviu também para tentar desvendar um dos maiores enigmas da cosmologia moderna – a verdadeira natureza da Energia Escura7. O estudo da energia escura é um dos objetivos do projeto FCT do CAUP: O Lado Escuro do Universo8.

Carlos Martins, o investigador principal deste projeto, diz que “estas novas técnicas são importantes para a preparação de testes semelhantes, a serem realizados pelo ESPRESSO9, e pelo European Extremely Large Telescope (E-ELT, do ESO), dois projetos nos quais o CAUP está bastante envolvido”.

A física por detrás destas constantes fundamentais do Universo, como a constante de estrutura fina, é ainda um mistério para a cosmologia moderna. Estas aparecem no modelo padrão da física de partículas como parâmetros que não podem ser calculados, tendo de ser medidos em laboratório, com os respetivos valores inseridos à mão no modelo.

A existir, uma Grande Teoria Unificada terá de prever a existência e os valores destas constantes, além de explicar qual a sua dependência de outros parâmetros.

Notas
  1. A equipa é composta por T. M. Evans, M.T. Murphy e J. B. Whitmore (Centro de Astrofísica e Supercomputação, Swinburne University of Technology, Austrália); T. Misawa (School of General Education, Shinshu University, Japão); M. Centurion e P. Molaro (INAF – Observatório Astronómico de Trieste, Itália); S. D’Odorico (Observatório Europeu do Sul (ESO), Alemanha); S. Lopez (Departamento de Astronomia, Universidade do Chile); C. Martins (Instituto de Astronomia e Ciências do Espaço/Centro de Astrofísica, Universidade do Porto, Portugal); P. Petitjean (Instituto de Astrofísica da Paris, França); H. Rahmani (School of Astronomy, Institute for Research in Fundamental Sciences (IPM), Irão); R. Srianand (Inter-University Centre for Astronomy and Astrophysics, Índia); M. Wendt (Hamburger Sternwarte, Universität Hamburg, e Institut für Physik und Astronomie, Universität Potsdam, Alemanha)
  2. As duas maiores instituições nacionais de investigação em Astronomia, CAUP e CAAUL colaboram cientificamente desde 2007. Esta união de esforços contribuiu decisivamente para tornar as Ciências do Espaço numa das áreas da investigação portuguesa de maior impacto internacional. Atualmente, as duas unidades encontram-se num processo de fusão que dará origem, ainda este ano, ao novo Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA). O IA englobará cerca de 70% da investigação científica nacional na área.
  3. O Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) foi criado em maio de 1989 (Programa Mobilizador de Ciência e Tecnologia) e iniciou as atividades em outubro de 1990. É uma associação científica e técnica privada, sem fins lucrativos e reconhecida de utilidade pública. Inscreve entre os seus objetivos apoiar e promover a Astronomia através da investigação científica, da formação ao nível pós-graduado e universitário, do ensino da Astronomia ao nível não universitário (básico e secundário) e da divulgação da ciência e promoção da cultura científica. Desde 2000 que é avaliado como "Excelente" por painéis internacionais, organizados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).
  4. Um Quasar (quasi-stellar radio source, ou fonte de rádio quase estelar) é o núcleo extremamente brilhante de uma galáxia ativa e distante. Esta zona, que envolve o buraco negro supermassivo no centro destas galáxias, é muito compacta e extremamente luminosa, pois o material que está a ser acretado para o buraco negro atinge velocidades elevadas, que o tornam muito quente.
    A combinação de brilho e distância levou inicialmente à catalogação errada dos quasars, já que pareciam ser objetos pontuais, semelhantes a estrelas.
  5. A constante de estrutura fina, designada por a, ou alfa, é uma das constantes fundamentais do Universo, e pode ser usada para caracterizar a magnitude das interações eletromagnéticas. Esta constante está relacionada com a carga do eletrão (e), a velocidade da luz (c) e a constante de Planck (ħ), através da fórmula: α = e² / ħc.
  6. O artigo “The UVES Large Program for testing fundamental physics – III. Constraints on the fine-structure constant from 3 telescopes”, foi aceite para publicação na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.
  7. A Energia Escura é uma misteriosa forma de energia que provoca a expansão acelerada do Universo atual. A sua natureza é ainda um mistério, mas pensa-se que corresponderá a 70% de tudo o que compõe o Universo (com a matéria escura a representar cerca de 26% e a matéria “normal”, apenas 4%).
  8. O projeto O Lado Escuro do Universo (PTDC/FIS/111725/2009) é financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). O investigador principal deste projeto, Carlos Martins, é Investigador FCT no CAUP, com contrato IF/00064/2012 (advanced grant), financiado pela FCT/MCTES (Portugal) e POPH/FSE (UE).
  9. O ESPRESSO (Echelle SPectrogaph for Rocky Exoplanet and Stable Spectroscopic Observations) será um espectrógrafo de alta resolução, a ser instalado no observatório VLT (ESO). Tem por objetivo procurar e detetar planetas parecidos com a Terra, capazes de suportar vida. Para tal, será capaz de detetar variações de velocidade de cerca de 0,3 km/h (ou a velocidade máxima de uma tartaruga das Galápagos a caminhar). Tem ainda por objetivo testar a estabilidade das constantes fundamentais do Universo. O Consórcio responsável pelo desenvolvimento e construção do ESPRESSO é constituído por instituições académicas e científicas de Portugal, Itália, Suiça e Espanha, bem como membros do Observatório Europeu do Sul. Os parceiros portugueses são o CAUP (que lidera também a participação portuguesa) e a FCUL/Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa.
1. Esquema da medição do espectro do Quasar HS 1549+1919, pelos telescópio do VLT, Keck e Subaru 2. Gráfico da medição da variação relativa da constante de estrutura fina, em função da distância, nas três galáxias.